Antologia de textos com cães dentro.

domingo, 30 de agosto de 2015




Via Rui Almeida.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

"QUE CÃO TÃO BANAL!"

Foi pena não terem chegado a um acordo porque afinal do que se estava a falar era das paixões da alma, desses cães ávidos que devoraram Actéon quando ele queria ver Diana no banho.
   Os cães são muito impressionantes. A gente está sempre à espera que eles tirem a máscara de Anubis e se sentem à mesa com a gente encomendando uma cerveja bem gelada:
   - Fuma?
   - Não, obrigado, agora é muito mais original não ser fumador (a sinceridade dos animais é muito embaraçosa), mas comerei de bom grado um cachorro quente, com manteiga mas sem mostarda, faz-me espirrar, sabe, tenho um nariz muito fino (ri-se)... Está imenso calor, ainda não mudei de fato este ano, a minha dona ainda não me levou ao tosquiador, acha que ainda está frio e anda a gente aqui a suar e depois admiram-se que a gente tenha tanta sede - outra cerveja, faz favor, bem gelada - pois é, eu sou muito sequioso, também passo a vida a correr, a minha dona dá-me imenso trabalho, tem uma casa tão grande e tão constantemente ameaçada de assalto que eu não tenho um momento de descanso. Senão demitem-me e eu gosto da minha dona, compreende, afeiçoei-me a ela desde pequeno, foi ela quem me chamou a si, me agasalhou, me sustentou e agora que sou já muito maior do que ela sinto-me na obrigação de a proteger contra os intrusos, cães ou não cães. É uma questão de gratidão, de coerência, os cães fizeram-se para isso, ser cão é ser isso mesmo!
   - Que cão tão banal!
   - É um cão protótipo, um exemplar de estatística.
   - Mas então não era das paixões da alma que estavam a falar?
   - Era, mas também há paixões de alma banais.
   - Hoje em dia está tudo banalizado, não há dúvida.
 
 
Ana Hatherly, in O Mestre, 5.ª edição, Ulisseia, Novembro de 2010, pp. 147-148.

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